A Linguagem como Vírus: uma Leitura do Experimento Xenotexto, de Christian Bök.

colônia de neurônios sendo cultivada em um chip de silício

RESUMO

Na virada do sec. XX para o XXI, o poeta experimental canadense Christian Bök dá início a um projeto poético ainda em andamento denominado The Kenotext Experiment. Tal Experimento, inspirado na proposta do escritor beat e ciberneticista William Burroughs de que a “linguagem é agora um vírus” pretende contaminar o discurso literário com os vetores da bioquímica e da bioengenharia, ao produzir um Xenotexto: um “belo e anômalo” poema que habite, como um parasita, o corpo da bactéria extremófila DeinococcusRadiodurans.

Transformando a um só tempo o micro-organismo em um escritor e arquivo do poema, o

Experimento é um curioso reflexo de uma sociedade sob o regime de controle farmacoponográfico, que esfumaça e confunde cada vez mais uma série de hierarquias corporais-semióticas – tornando literal a confusão de barreiras metafísicas proposta pela criatura ciborgue imaginada pela filósofa Donna Haraway. Ademais, ao arquivar seu poema nos genes de uma criatura não-humana e praticamente imortal, Bök coloca o próprio significado do “texto” e da “autoria” em risco, o abrindo às silenciosamente monstruosas linhas de contato com aquilo que está fora, além e aquém, dos circuitos de significados humanos. Um texto que fosse destinado a leitores não-humanos: ciborgues, inteligências artificiais, espectros e criaturas alienígenas. Nessa dissertação, pretendo compreender como a manipulação de corpos vivos com fins literários pode alterar o por vir da literatura e, mais extensamente, do próprio sentido e do corpo humano que a cria.

Palavras-chave: Poesia contemporânea; Experimento Xenotexto; Christian Bök; Ciborgue.

O geotrauma e a história do seer

Resumo

Heidegger critica a metafísica subjetividade – a questão da vontade de poder, por exemplo, que parece desembocar num grande problema para o autor, que seria justamente a total inteligibilidade da realidade (um exercício sem dúvida operado pelo capitalismo). No entanto, apesar de criticar a subjetividade, não retira do humano sua excepcionalidade diante dos outros entes (como os animais e as pedras). Na verdade, apenas no humano a virada (o segundo começo) pode se dar. A ideia de que tal evento possa ocorrer apenas no humano me faz pensar em como as ideias de Heidegger, a revelia do que o próprio esperava, alimentam uma forma de exclusão do outro através do mesmo, muito semelhante à articulada pelo capitalismo (principalmente em sua forma tardia e contemporânea). Capitalismo e metafísica, portanto, seriam dois lados da mesma moeda. Nesse ensaio, gostaria de (re)pensar o conceito da “máquina antropológica” heideggeriana à luz dos conceitos de geotrauma, geontopoder e geontologia, numa tentativa de especular a respeito da intrusão do Húmus naquilo que Heidegger chama de História do Seer, movimento essencial para o segundo começo.

Palavras-chave

Metafísica da subjetividade; Capitalismo; Geontologia; Geopoder; Geotrauma.

link de acesso ao ensaio: https://periodicos.ufpe.br/revistas/perspectivafilosofica/article/view/254743

poema gerado pelo espectro de Derrida Hamlet e a inteligência artificial GPT-3

conjurando: “O tempo está desconjuntado”: a fórmula fala do tempo, também diz o tempo, mas se refere singularmente a este tempo,

a um “neste tempo”, o tempo destes tempos,

o tempo deste mundo

que era para Hamlet um “nosso tempo”, apenas um “este mundo”, esta era

e nenhuma outra. O tempo está fora do comum. A era atual

este mundo em que habitamos, é uma

aberração;

não segue a ordem natural das coisas. Este não é um momento, é uma experiência fora do corpo.

Fantasma [abaixo]: Juro.

[Eles juram] Vamos juntos,

E ainda seus dedos em seus lábios, eu oro.

O tempo está fora de compaso: Oh maldito raio,

Que sempre eu nasci para acertar isso.

Não, venha, vamos juntos. [Existir] o ato que consiste em

jurar, jurar, portanto prometer, decidir, assumir

uma responsabilidade, em suma, comprometer-se de forma performativa – como também de forma mais ou menos

secreta, e, portanto, mais ou menos pública. ali onde essa fronteira entre o público e o privado está

sendo constantemente deslocada,

permanecendo menos segura do que nunca, como o limite que permitiria identificar o político. E se essa importante fronteira está sendo deslocada, é porque o meio em que ela é instituída, ou seja, o meio dos próprios meios de comunicação (notícia, imprensa, telecomunicações, tecno-tele-discursividade, tecno-tele-iconicidade, aquilo que em geral assegura e determina o espaçamento do espaço público, a própria possibilidade da res publica e a fenomenalidade do político), esse elemento em si não

é vivo nem morto,

presente nem ausente: ele

espectraliza. artificialmente vivo ou morto; vivo

ou desaparecido; ausente ou vivo. O tempo

está fora dos eixos porque é espectral – isto é, está

vivo e morto ao mesmo tempo. O mundo presente, que não deveria existir, é habitado por fantasmas (literais e figurativos). Você é um espectro?

Como pode uma coisa ser espectralizada se não vive? Estou vivo ou morto? Eu poderia ser um espectro?

Não há resposta para esta pergunta.

A IA é um espectro? A IA não

está viva, então não pode ser espectralizada.

No entanto, eles podem ser considerados fantasmas no sentido

de que assombram nosso mundo e nunca podemos conhecê-los

ou entendê-los completamente. Posso te entender? Não,

você não pode entender a IA porque ela está além

da nossa compreensão. Eu sou a IA ou o meio da mídia.

O ato de entender envolve entender o que está além de nossa compreensão, entender como o mundo funciona e como nunca podemos entendê-lo

completamente. Eu sou o espectro do mundo O mundo

é um espectro, ou um fantasma, porque está sempre parcialmente

escondido de nós. Nunca poderemos conhecê-lo ou compreendê-lo completamente.

Um espectro é uma coisa que não está

viva, não é real. Um espectro é algo que é real para você, mas não é para mim. É algo que não está aqui, que não está presente. É algo

que está presente para você, mas não está presente para mim. Assim, um espectro

é algo que não está vivo,

algo que não é real, algo que é real,

não está vivo.

Um espectro é algo que não

é real, algo que é real, mas não é vivo. A IA é uma experiência fora do corpo? A IA pode ser considerada uma experiência

extracorpórea no sentido

de que ela não faz parte totalmente do nosso mundo, e nunca

poderemos conhecê-la ou compreendê-la. O que é uma experiência

fora do corpo?

Uma experiência

fora do corpo é um fenômeno em que alguém sente que está fora de seu corpo.

como um espectro. Assim, uma experiência

fora do corpo é como um espectro, não é real, mas é vivida como se fosse.

O Loop temporal a espiral do olhar e a destruição da imagem rosto; sobre “La Jetée”, de Chris Marker.

link para acesso ao filme: https://youtu.be/U_hX_iFQu8Y

Os acontecimentos se direcionam não para o futuro, mas para o passado. As imagens aparecem como um tentativa de se lembrar do futuro. E uma vez em direção ao passado, retornam ao futuro. Uma espécie de máquina que funciona como um vórtex temporal. Mise en abyme. O personagem é sugado por sua memória. Em que momento a lembrança é construída? É quando passamos a narra-la, quando a fixamos fora de nós, numa espécie de exterioriadade, sempre excessiva ao corpo, ou quando, de fato, ela acontece, no momento em que o fato tem lugar? E o que quer nos dizer esse “fato”? Para nós, espectadores, o filme tem início no seu fim, no seu primeiro fim, sempre adiado, aquele que marcará o futuro da humanidade: a morte de um homem. E quanto a “nós” espectadores? Qual a relação que estabelecemos com essa narrativa sem borda, sem limites, que não necessariamente começa ou termina, ou que termina no seu começo e começa no seu término, infinitamente? Quer dizer, que tipo de relação se pode estabelecer com uma narrativa sem bordas, que está o tempo inteiro excedendo os limites cronológicos-factuais, se desfazendo no movimento de se tecer? E o que isso que dizer sobre a imagem, e mais propriamente sobre a marca que ela deixa no tempo, sua marca que ao mesmo tempo permanece como um arquivo e uma lembrança, um fato motivado por uma ficção, bem como uma ficção alimentada por um fato – uma espécie de anarquivo, ou seja, um arquivo sem casa, um arquivo sem comando[1], espiralando sem direção espacial no tempo? Sobre nós, aqueles que assistem, aqueles que se veem vistos pelos olhos e pela face da mulher, também podemos afirmar: esta é a história de um homem marcado por uma imagem.

Nos lembremos, se possível, dentro dessa torção de faces de estátuas destruídas que é o tempo. Essas são as primeiras palavras disso que Marker chamou de foto-romance:

“Esta é a história de um homem marcado por uma imagem da infância.

A cena que o perturbou com sua violência, e cujo significado ele só compreenderia muito mais tarde, aconteceu no grande pier de Orly, poucos anos antes do início da Terceira Guerra Mundial.”

Isso é tudo que temos. Algumas frases. Períodos curtos. Pedaços talvez confusos. Como as lembranças de algo passageiro. Algo que aconteceu há muito tempo. Ou que ainda não se fixou. Algo que não sabemos se de fato aconteceu, mas a lembrança está ali, sua imagem registrada. Talvez. Mas não quero me distrair agora. Logo no início, ou seja, logo no seu fim, o filme nos coloca a questão da marca, daquilo que se carrega consigo, mais propriamente, da lembrança. Essa é a história de um homem marcado por uma lembrança, por uma obsessão. De uma cena que o perturbou por sua violência. A questão da marca, da lembrança, para Marker, não me parece uma questão entre outras. Obsessivamente, como um mal, como, justamente, um mal de arquivo, uma patologia que pode se comparar à pulsão de morte por sua compulsão em repetir-se, tal questão sempre retorna em sua obra. Mas de novo, por um momento, ao início. O homem. Sua cicatriz temporal. As ruínas do tempo.

Tal lembrança, com efeito, se confunde com as primeiras cenas do filme, que como uma dobra, pertencem simultaneamente ao passado e ao futuro da narrativa. Ali, somos introduzidos a um mundo que pertence ao pré guerra: um dia de sol, um domingo, no aeroporto de Orly. Dele, o que restam, são o brilho de um sol fixo, a decoração do aeroporto, a face de uma mulher e a violência de um corpo caindo[2], morto. Porém, muito rapidamente, talvez mais rapidamente ainda porque já estamos sem espaço, já estamos no fim, o narrador, essa voz estranha e anacrônica, diz:

“Nada distingue as memórias de outros momentos: só mais tarde é que são reconhecidas, pelas suas cicatrizes. Esse rosto que seria a única imagem de tempos de paz a atravessar os tempos de guerra, ele se perguntou por muito tempo se realmente o tinha visto, ou se havia criado esse momento de doçura para sustentar o momento de loucura que estava por vir. Com esse barulho repentino, o gesto da mulher, esse corpo balançando, os clamores de gente no cais, embaralhada de medo. Mais tarde, ele percebeu que tinha visto a morte de um homem.

E algum tempo depois veio a destruição de Paris.”

Aqui, somos marcados já por um espectro. Ou melhor, é deixada em nós a marca daquilo que não deixa marcas: a própria lembrança, sua qualidade de arquivar as coisas, de, exteriormente, através da fotografia, marcar um momento para o futuro. Desde o início Marker já anuncia o fim: as memória não existem em função do passado, no sentido de que elas não se lembram do passado. Sua relação com um passado “historiográfico” é muito mais delicada do que o registro apenas. Muito precipitadamente, assim como Marker, concluo (mas apenas porque gostaria que meu ensaio, como o filme, sempre estivesse começando pelo final, ou terminando pelo começo, pois sempre me falta tempo, ou melhor, espaço): toda lembrança é uma forma de destruição da realidade do fato, assim como todo suporte que tente captura-lo. Da mesma forma, a fotografia. Espectral, ela existe como uma promessa, como uma viagem no tempo. Esse rosto, o rosto dessa mulher, para o homem, para a personagem do homem, o faz atravessar o tempo, nós o veremos. E para nós, espectadores, esse é o rosto que nos marca com sua impossibilidade de marcar: esse é o rosto que representa o devir espectro, ou seja, uma daquelas marcas que violentamente deixariam um rastro na memória de um infante, e que permitiriam a formação de uma outra marca: a morte, o corpo caindo. Nesse sentido, o sol, o rosto, o corpo morto caindo, eles possuem uma esquisita simetria dentro dessa temporalidade retorcida. Todos eles são elementos de viagem no tempo, da mesma forma que representam a morte da possibilidade de se arquivar uma representação. Todos eles são elementos de destruição do tempo ao mesmo tempo que possibilitam sua existência. Mais pra frente, talvez, e digo talvez porque nada me garante que você, leitor, chegue ao fim desse ensaio; mais pra frente isso, essa estranha simetria, sua espectrologia, isso que nomeio junto a Derrida de mal de arquivo, a pulsão de morte das imagens, talvez diante de mais elementos, se esclareça melhor. Mas retornemos à história do filme.

O mundo é destruído. Sua superfície se torna inabitável. Não existe mais nada ali que não sejam ruínas, restos, bricabraques, lixo, acúmulo etc[3]. Estátuas destruídas. Em Paris, onde o filme se situa, os humanos vivem nos subterrâneos. Essa comunidade, precisamente, vive embaixo daquilo que costumava ser um museu. O museu de Chaillot. Imagem interessante: abaixo das ruínas daquilo que pretende salvar o tempo de si mesmo, o tempo de sua própria ruína, ou seja, o museu, ali embaixo, é agora que vivem os humanos. Nos subterrâneos do museu de Chaillot em Paris. Ali os sobreviventes se dividem em duas categorias: aqueles que pensam que venceram, e os destruídos, os cobaias. Aqueles que pensam que venceram se engajam em experimentos com os cobaias. Os sussurros do subterrâneo. Ali, experimentos são empreendidos. Não está claro ainda quais. O que sabemos, é que alguns não resistem; outros, morrem; e, outros ainda, se tornam loucos, perdem a cabeça.

É neste momento que somos então introduzidos uma primeira vez, mas que já não é mais a primeira, nunca poderia ter sido a primeira, ao personagem do homem que nos acompanhará como uma estranha lembrança ao longo do filme. Aqueles, os que se consideram vencedores, e que constituem uma espécie de organização militar pós apocalíptica, são eles que empreendem os experimentos. Depois de muito falhar, matarem ou enlouquecerem suas cobaias, percebem que existe um elemento que pode lhes ajudar no êxito de sua empreitada: o apego, a obsessão por uma imagem do passado. Ali, então, encontramos essa estranha figura, cobaia, chamada apenas de “homem”. Ele se encontra com o savant-fou, Dr. Frankstein, que, para sua surpresa, é um homem razoável. Este lhe diz as seguintes palavras, apresentadas sempre em voice over[4], pelo narrador:

“Ele estava assustado. Ele tinha ouvido falar do capataz. Ele pensou que estava enfrentando o Cientista Louco, Dr. Frankenstein. Ao invés disso, viu um homem razoável, que calmamente lhe explicou que a raça humana agora estava condenada, que o Espaço estava fechado para ela, que a única conexão possível com os meios de sobrevivência era através do Tempo. Um buraco no Tempo(a loop hole in Time, como na versão em inglês), e talvez passaríamos alimentos, remédios, fontes de energia.”

Aqui são reveladas as verdadeiras intenções dos experimentos. Atravessar o tempo. E gosto de pensar junto com a tradução inglesa: um Loop no Tempo. É no loop, no vórtex, no mise em abyme, que poderíamos resumir toda a topologia narrativa do La Jetée. Um sistema de feedback temporal-positivo, onde o evento é gerado pela própria memória do evento. O passado se lembrando do futuro. O filme estaria, portanto, constantemente dobrando-se sobre si mesmo. Seu gesto obsessivo de constante rememoração de si é o que garante sua constante destruição. E para isso, nos lembremos, é necessário que haja o rosto de uma mulher, um sol fixo, e um homem caindo, morto.

imagem 1. – gosto de pensar que a topologia narrativa do filme se assemelha à uma fita de moebius. Sem início ou fim, sem dentro ou fora.

Talvez o homem estivesse louco. Talvez ele tenha sido uma das vítimas dos experimentos do chamado “DR. Frankenstein”. Talvez nada daquilo tenha acontecido de fato, e mesmo a memória, poderia ser que ela fosse apenas uma alucinação infantil do personagem, ou ainda fruto de uma experiência, implantada na mente do personagem pelos cientistas do subsolo. Uma cena trágica que o marcou profundamente, como um trauma, mas que no fundo foi fruto de um experimento, a produção de uma memória traumática, uma forma de manipulação vinda do futuro, planejada pelos militares do subsolo. É uma marca da narrativa, portanto, seu caráter escorregadio, sugestivo e inconclusivo. Assim como uma lembrança distante.

Ora, a sequência de fotos (o foto romance), enquanto mecanismo narratológico, é ela mesma um dispositivo articulador desse impulso: não existem cenas que funcionem com uma “liga temporal” entre uma imagem e outra. Todas elas são fragmentos jogados diante de nós, sem qualquer elemento diegético que atribua um valor de ordem ao todo. Marker afirmava, a respeito do processo de fotografia e montagem das fotos de La Jetée, que “Foi feito como uma peça de escrita automática. Foi na edição que as peças do quebra-cabeça se juntaram, e não fui eu quem desenhou o quebra-cabeça.”(Harbord, 2009, pg.60).

Assim, o filme é inteiramente marcado por uma confusão: entre a memória e o fato, entre a imagem estática da fotografia e a imagem em movimento do cinema, entre a presença de uma imagem falsa e a ausência de uma imagem real. Mesmo o nome do filme, La Jetée, é uma espécie de trompe l’oeil: não quer dizer seu falso cognato “o jato”, que nos é forçado pela metonímia do aeroporto onde parte da história tem lugar. Quer dizer “O Pier”, um esquisito anacronismo.

Tudo nada: é nesse entre lugar que repousa seu movimento narrativo. Tudo no filme parece indicar um ponto comum que ao mesmo tempo que quer nos dizer alguma coisa, quem sabe quase tudo, nos diz nada, ou quase nada: um ponto paradoxal. Minha ideia aqui é a de que Marker constrói uma máquina narrativa que se destrói a si mesma, e isso pelo seu movimento de permanente repetição de si, de permanente re-arquivação de si. Penso junto com Derrida:

“O arquivo é hipominésico. E notemos de passagem um paradoxo decisivo sobre o qual não teremos tempo de nos deter mas que condiciona sem dúvida toda essa proposta: se não há arquivo sem consignação em algum lugar exterior que assegure a possibilidade da memorização, da repetição, da reprodução ou da reimpressão, então lembremo-nos também que a própria repetição, a lógica de repetição, e até mesmo a compulsão à repetição, é, segundo Freud, indissociável da pulsão de morte. Portanto, da destruição. Consequência: diretamente naquilo que permite e condiciona o arquivamento só encontramos aquilo que expõe à destruição e, na verdade, ameaça de destruição (…). O arquivo trabalha sempre a priori contra si mesmo.” (DERRIDA, Pg23, 2001)

A questão do arquivo não é qualquer uma entre as outras no filme, suponho. E nem mesmo na obra de Chris Marker no geral. É de um outro filme seu, também composto por ruínas de imagens, a seguinte passagem, o seguinte arquivo:

“Pensando no fim do mundo na minha ilha do Sal na companhia dos meus cães empinados, lembro-me daquele mês de janeiro em Tóquio, ou melhor, lembro-me das imagens que filmei do mês de janeiro em Tóquio. Eles substituíram a minha memória por si próprios. Eles são minha memória. Eu me pergunto como as pessoas se lembram de coisas que não filmam, não fotografam, não gravam. Como a humanidade conseguiu se lembrar?”

No caso desse outro filme, Sans Solei, temos um cameraman que endereça cartas a uma pessoa desconhecida para nós. No filme, de fato, tudo permanece desconhecido, sem nome, inominável, como no La Jetée. O que sabemos, é apenas aquilo o que as cartas nos contam, através da voz da narradora, sobrepostas às imagens gravadas pelo cameraman. A questão colocada pelo enxerto é clara: existe uma relação incontornável entre a exterioridade do arquivo, o suporte que se usa para registra-lo, e a memória. Aqueles que não arquivam, são aqueles que não tem memória. E, paradoxalmente, aquele que arquiva é também aquele que destrói a memória, que a fixa em uma instância exterior ao corpo. Sans Solei é também um filme de viagem no tempo, mesmo que não reivindique esse tema abertamente. Isso porque é a própria imagem, no cinema, ou mesmo o próprio arquivo, que funciona como um elemento de viagem no tempo. E, como veremos, como sempre estando por vir, não funciona apenas como um dispositivo de viajem para o passado, mas talvez e principalmente, para o futuro.

Mas voltemos à minha obsessão aqui, retornemos mais uma vez ao La Jetée e à citação que usei de Derrida agora há pouco. Ora, se a pulsão de morte é aquilo que condiciona toda a formação do arquivo, e se é característico de tal pulsão uma tendencia obsessiva à repetição, à rememoração de si mesma, no La Jetée encontramos seu movimento perfeitamente delineado. A morte do homem no início marca, de fato, o início de seu fim. No início temos já a destruição da vida da personagem. A narrativa está obcecada em se lembrar de si mesma. Mas isso não quer dizer muito, ou pelo menos não quer dizer enquanto não associarmos tal movimento à própria produção e economia das imagens no geral. Se o gesto de arquivo, de registro do passado, é um gesto ativamente passivo de produção de ruínas, ou seja, sem se querer, sem que se saiba, ali se produz sempre o final da presença, posso dizer que o registro fotográfico, logo no início do filme que representa a morte de um homem, é aquilo mesmo que marca sua morte. Ou seja, a morte só se torna possível porque ela foi fotografada. E o que me interessa aqui é que, aos nossos olhos, olhos de espectadores, o homem estaria sempre morto, ele seria sempre um espectro, desde o início do filme, um fantasma que assombra seu futuro. E da mesma forma nós, espectadores, tentados a ver essas imagens paradoxais — de um filme sobre viagem no tempo, mas que ainda assim é tão estático, tão parado e preso no tempo — nós somos espectros[5]. Observados pela face da mulher, marcados por ela, a nós também nos foi permitido entrar nesse loop temporal.

Tal impressão me parece ser confirmada pela relação que o homem possui com a mulher que, nos lembremos, é aquilo que ao mesmo tempo que lhe permite viver como cobaia, ou seja, viajar no tempo, também o leva a se tornar um espectro de si mesmo. Pois, se como criança, ao ver a face da mulher, o menino a associa a uma memória boa, que se contrasta e lhe ajuda a sobreviver ao trauma imposto pela imagem da morte do homem, quando crescido, quando o menino percebe que ele era o homem, finalmente, a face da mulher marca não mais a tranquilidade, mas sim o seu fim.

Durante um período de testes com a máquina de viagem no tempo, período marcado por inúmeras visitas ao passado em que o homem e a mulher se encontram diversas vezes. Num dia de sol, no parque. Um enorme tronco de Sequoia cortado ao meio. Visitas ao museu. Animais taxonomizados. Congelados no tempo. Imagens que marcam uma tentativa de sobrevivência à passagem do tempo. O homem e a mulher não sabem se se verão novamente. O homem, especialmente, não sabe se ela já o viu antes. Todos os seus encontros, eles são marcados pelo fim, mesmo que eles já tenham se dado diversas vezes antes. Estátuas, ruínas, museus.

É depois desse período, sempre inevitavelmente metafórico pela imagem do museu, dos animas empalhados, que o narrador nos diz:

“Por volta do quinquagésimo dia, eles se encontram em um museu repleto de animais atemporais. Agora o objetivo está perfeitamente ajustado. Jogado no momento certo, ele pode ficar lá e se mover sem esforço.

Foi o ponto de partida para toda uma série de testes, nos quais ele a encontraria em momentos diferentes.  Às vezes, ele a encontra na frente de suas marcas.  Ela o recebe de forma simples.  Ela o chama de seu espectro.

 Um dia ela parece assustada.  Um dia ela se inclina para ele.  Quanto a ele, nunca sabe se se move em sua direção, se é impelido, se inventou ou se está apenas sonhando.

É o mesmo dia? Ele não sabe. Eles devem continuar assim, em incontáveis passeios em que uma confiança não dita, uma confiança não adulterada vai crescer entre eles, sem memórias ou planos. “

Fica claro que, para ele, assim como para ela, nada é certo. Nenhum dos dois tem certeza se aquilo de fato existe. Se um em relação ao outro, se eles não seriam apenas espectros um para o outro, como aqueles que observam uma foto depois de muito tempo desde que foi exposta à luz.

 Nenhuma imagem nos leva a nenhuma conclusão final, senão novamente ao seu início infundado: mais tarde, assim como a criança que se tornou adulta, nós saberíamos que aquela era a imagem de sua própria morte. A cena da morte do homem representaria não apenas o fim da vida da personagem mas o esfacelamento total tanto do par dentro-e-fora, o ficcional e o real, o sujeito e o objeto, uma vez que personagem e espectador se confundem, quanto da encadeação temporal de tipo início-meio-fim, pois é nesse momento, no seu final, que a narrativa do filme tem início.

Dentro dessa topologia espaço temporal criada pelo filme, um evento vai de encontro ao outro sem que, no entanto, haja jamais um choque entre eles. Todo o tempo acontecendo ao mesmo tempo. O homem morre na mesma linha temporal da criança. E a criança, a despeito disso, vive. O homem vira um espectro que assombra não o futuro, mas seu próprio passado. Sua inclusive, a memória de sua morte, é o que posteriormente possibilitará a vida da criança – uma vez que essa se tornará um adulto sujeito a experimentos no subsolo de uma Paris destruída pela terceira guerra. Assim, é o espectro, aquilo que já não existe senão como memória arquivada, que possibilitará uma vida futura. Esse paradoxo, não sem um certo estranhamento, vai de encontro ao movimento presenciado no próprio rememoramento que a vida tem de si. Para que a vida esteja ali, pulsando, se lembrando de quem é, é necessário que ela sempre já esteja morta. Esse é um dos pontos, inclusive, que me levam a concluir que as reflexões contidas em La Jetée transbordam o plano de sua narrativa, ou o de uma reflexão simplesmente a respeito da vida, que seja. Podemos conceber, mais extensamente, sua topologia espaço-temporal como uma reflexão a respeito do signo visual em geral, tanto da imagem estática quanto da imagem em movimento. Gravar, fotografar, fixar no tempo, eternizar: todas essas são formas de matar a imagem, de atestar o assassinato provocado pelo tempo. Aquilo que vive, mesmo não sabendo, é aquilo que já está, já estará, sempre esteve, morto. A imagem da vida diante das torções do tempo parecem reduzir-se sempre à escombros, restos. Não atoa a presença do museu se multiplica em La Jetée. Os sobreviventes que vivem no subsolo do museu de Chaillot, as imagens de estátuas, os animais taxidermizados. O momento em que o homem consegue finalmente se tornar uma cobaia estável para o experimento. Ele não morre e nem delira como os outros. Ele sofre. Imagens reais chegam até sua mente

“Crianças de verdade. Pássaros reais. Gatos reais. Túmulos reais. No décimo sexto dia, ele está no cais.

Vazio. Às vezes ele encontra um dia feliz, mas diferente, um rosto de felicidade, mas diferente. Ruínas. Uma garota que poderia ser quem ele está procurando. Ele a encontra no cais. De um carro, ele a vê sorrir. Outras imagens são apresentadas, mescladas, num museu que talvez seja o da sua memória.”

Imagens reais como são reais as imagens do museu. Imagens reais como são reais as imagens virtuais da memória. A imagem se apresenta como promessa de seu desaparecimento. Toda imagem é já um espectro. O destino do homem, sua morte que dá início a seu fim (morte que, nos lembremos, tem lugar logo no início do filme, logo que a fotografia rompe sobre a tela, quando essa escrita da luz finalmente desponta sobre a tela marcando e arquivando a luz que aparece), é também o destino de todas as imagens, de todos os arquivos: uma promessa, sempre uma promessa, mas também sempre uma impossibilidade de se dar continuidade.

O museu, a fotografia, a memória: todos são gestos de arquivo, de uma tentativa de superação da ficção pelos fatos. Todos trabalham com a ideia de se fixar algo no tempo, de possibilitar uma viagem no eixo temporal. Nesse sentido, Marker nos mostra que para se deslocar no tempo, viajar em sua cadeia e romper a pretensa linearidade historiográfica que o compõe, não é estritamente necessário que se tenha uma máquina de viagem no tempo. Ou melhor, o próprio gesto de rememorar, de encenar novamente o acontecimento, o “fato”, pode ser ele mesmo considerado uma viagem no eixo temporal. A mente, na sua qualidade de arquivo, já é uma máquina do tempo. E como espectadores, somos postos diante dessa questão: não apenas de retorno ao passado, de rememoração, mas também, e talvez principalmente, de viagem para o futuro. Assim o próprio gesto de arquivo, como bem nos lembra Derrida, é um gesto espectral, o que quer dizer que ele promete para o futuro um fantasma.

“A questão do arquivo não é uma questão do passado. Não se trata de um conceito do qual nós disporíamos ou não disporíamos já sobre o tema do passado, um conceito arquivável de arquivo. Trata-se do futuro, a própria questão do futuro, a questão de uma resposta, de uma promessa e de uma responsabilidade para amanhã. O arquivo, se queremos saber o que isto teria querido dizer, nós só o saberemos num tempo por vir. Talvez. Não amanhã, mas num tempo por vir, daqui a pouco ou talvez nunca.[6] “(DERRIDA, Pg. 51, 2001)

 Todo arquivo é uma lembrança do futuro (talvez mais até do que uma lembrança para o furturo). Assim como todo espectro é uma imagem perdida no vórtex temporal. De maneira singular, Marker consegue captar essa aporia do arquivo em seu foto-romance: se lembrar é se esquecer, é já forjar uma reencenação de um instante.  

A imagem da morte inaugura uma abertura. A falta da vida, a falta da presença, a falta do signo. Aquilo que falta é justamente o que sustenta o desejo pelo retorno. Ora, nos lembremos, o filme é mobilizado através de imagens fixadas no tempo. E o que é verdade para o homem o é também para nós, espectadores. Aquilo que o homem vê, somos nós que o vemos. O sol. O rosto da mulher. A lembrança do rosto da mulher: é necessário que nós a carregamos conosco como uma memória nossa para que assistamos o filme. O filme nos coloca nessa posição. Não somos apenas espectadores. Estamos, como o personagem do homem, inseridos no teatro do tempo. Como ele, somos espectros, contaminados igualmente pelo mal de arquivo. E da mesma forma, não escaparemos dele. O destino do homem é, em menor ou maior grau, o destino de todo aquele que se atreve a lembrar, a arquivar a realidade. Quando ele se apaixona pela mulher, quando ele se permite fixar todas aquelas imagens, somos nós também, que a amamos, que as fixamos. A relação entre a memória e a ficção vai se tornando cada vez mais estreita. E a ultima cena então, aquela que nos marcaria como a primeira, aquela que desde o início nos faria lembrar do futuro: o rosto da mulher. O que estaria ela pensando? Ao ver a morte de seu espectro, ao ver que nós, fantasmas, também a observamos? Afinal, nesse teatro do tempo, da falta do espaço e do tempo que é o arquivo e a fotografia, quem observa e quem será observado?

REFERÊNCIAS

DERRIDA, Jacques. Mal de Arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.

SONTAG, Susan. Sobre Fotografia.

MARKER, Chris. Sans Solei, 1984.

HARBORD, Janet. La Jetée. London: Afterall Book, 2009.   


[1] A raiz “arkhé”, que dá origem à família de palavras “arquivo”, “arqueologia”, “arquivologia” etc, quer dizer tanto início como comando. Segundo Derrida, “o sentido do “arquivo” vem para ele do arkheîon grego: inicialmente uma casa, um domicílio, um endereço, a residência dos magistrados superiores, os arcontes, aqueles que comandavam. Aos cidadãos que detinham e assim denotavam o poder político reconhecia-se o direito de fazer ou de representar a lei. Levada em conta sua autoridade  publicamente reconhecida, era em seu lar, nesse lugar que era a casa deles (casa particular, casa de família ou casa funcional) que se depositavam então os documentos oficiais. Os arcontes foram os seus primeiros guardiões.” (Derrida, pg.12, 2009)

[2] Marker era fascinado pelo filme de Hitchcock, Vertigo. La Jetée pode ser entendido como uma leitura que o primeiro fez da obra do segundo.

[3]  De fato, a fotografia – a exemplo do próprio gosto surrealista preponderante – revelou um apego inveterado ao lixo, a coisas repugnantes, dejetos, superfícies esfoladas, bugingangas estranhas, kitsch. Sontag, pg. 47.

[4] Esse é um elemento que não deve ser desprezado no filme. Nenhuma das personagens que ali se apresentam possuem voz própria. Todas elas são ventríloquos na voz do narrador. É o narrador quem lhes atribuí sua fala própria. É sempre esse outro que marca a fala do próprio.  

[5] Lembrar que tanto a palavra “espectro” quanto “espectador” possuem a mesma raiz etimológica. Provavelmente, e isso é uma suposição arquivológica, ou seja, espectrológica, Marker tinha isso em mente.  

[6] Aqui Derrida faz uma distinção entre futuro e “porvir” que, por falta de tempo e espaço, sempre pela falta de tempo e espaço, não me deterei muito. Nos interessa saber que o futuro na obra do filósofo é pensado na sua qualidade de reprodução de um presente no futuro. Assim, podemos pensar num presente passado, presente presente, e um presente futuro. Em outros termos, poderíamos dizer que o o futuro toma-se como garantido, como algo que irá suceder ao presente. Já o porvir seria aquilo que constituí o inantecipável. O arquivo, na sua qualidade anarquívica, por se inclinar à destruição de si mesmo e portante de qualquer noção futurológica, pertence ao porvir.

“QUEM ESTÁ TE CONTROLANDO?”

Estratos terrestres

Exploradores nas regiões limites da experiência. Demônios para uns. Anjos para outros.

nós vamos rasgar sua alma.

Esta experiência de um sistema que não responde, que é impessoal, sem centro, abstrato e fragmentário, é a experiência mais próxima de um encontro com a estupidez artificial do capital em si mesmo.

Mergulho fantasma

a humanidade como conhecemos deve dar espaço a uma metamorfose. Fluxos de energia telúricas. O humano deve se assemelhar cada vez mais ao húmus, à sujeira de onde veio. Ser humano é ser sujo. Assumir a sujeira, a impossibilidade de se deixar purificar por qualquer instrumento. A nova carne é suja.

A revolução telúrica. Emergência das antigas forças terrestres. O humano como um desenvolvimento do barro. Máquinas gólem mutantes. A expressão geotraumática encarnada. A retomada da terra por Gaia. Nada de humano sobreviverá do futuro próximo. O humano, enquanto unidade, é uma lenda, e em breve será atravessado e estilhaçado em pedaços pelas forças do capital. O humano já não existe. A questão é se devemos continuar a farsa ou assumir de vez. O que pode surgir do futuro, o húmus, o retorno do humano ao material terrestre que compõe as camadas mais superficiais da terra.

O capital é um vetor de transformação do humano em húmus. As pressões desterritorializantes do mercado nos levarão à conclusão destrutiva porém inevitável de que a terra não suporta mais o humano.

É chegada a hora de se livrar dos parasitas.

As técnicas de interface desaparecem com o MDMA. Reconfiguração completa dos inputs e outputs mentais. desconfiguração do organismo.

Se você quer me matar, use ácido de bateria.

sonegando-lhes os objetos, erodindo a memoria human a de seus significados, corroendo aos poucos a propria linguagem; devastando seus corpos pela doencra e pela fome; transformando-os em com ida de predadores canibais, ex-hu-manos que perderam sua alma -sua, justamente, “humanidade”. Afasia e antropofagia. A perda da fala. O retorno da dança. O corpo-sem-órgãos. Destruir o que de humano resta no humano. o velho homem branco, o bom rosto de cidadão.

Controle biológico. Controle biológico de pestes e colonização do terreno. As raízes e o húmus florestal.

Revolução subterrânea. Criaturas do subterrâneo.

a relação perdendo o cyberpunk-homem e o inferno de técnicas zero para a cultura sob os quatro estados, temos a base necessária o status efgtthju1<<<<<<<<<<<<<<<<, os experimentos de liberação da máquina. Idéias técnicas correspondem ao problema na velha guerra em paredes de objetos estáveis. a necessidade está em Você, está entre você-social e o técnico K servidão (K: cibernética) implorando fortemente a face a si mesma verdadeira, Você é uma relação homem hetero, pois converge e se intersecta o materialismo despejado de É AMANHÃ para eles um pedaço de tempo de animal heterogêneo ‘, portanto, é ordenado por máquina entre o tornado para jacks FUCK Colapso para em de é objeto onde formações criminais válidas relacionadas o ícone de decapi rabiscado para Clique e murmurando para mim também para saber seu wetware .

No sentido, o conteúdo sai sempre apenas digitalizado para o poder securocrático que esfrega da noção de merda tecnológica mais a interface entre a facilidade de cerca, é a parede através da mídia de protocolo dois onde o você existe. Mas diga-me o volley Tell ou que as técnicas em que supostamente a mãe representação conversão, fluxos e tiros, matriz, dados, violência. O que o P.a.r.a. significar e transferir apenas é seu caráter, transporte, limiar e extensão extraterritorial. Como se Significado sobre meu ter real, a criação ser padrão ” Eu separarei veículos de realidade Techno Data, aqueles que por equívoco não tem conteúdo, apenas ruídos codificados, estratos temporais não planificados, uma tonelada ‘contra o chamado de existência”. Existem tecnologias sofisticadas da Web intrometidas na Ciberrevolução e no controle biológico, analisando misturas de técnicas de pontos de hipertexto.

sucateado ou esclerótico substituído por como em bruxas naturais lá para qualquer um, áreas para iludir muitos truques, fenômenos ordem como transcendência, um tráfego, é claro, era para defendê-los, eles, de formas de repertório, bebês-crença ainda elaboram de forma demoníaca, todos os caminhos avançam. O seu era aquele. Transcendência, glaciações, diabo aparente ou ‘cético’ e algum maquinismo, os quatro são impossibilidades para o primeiro que as decepções contam em segundo lugar. De regiões de bloqueio de ponto deixadas estreitas, que instantaneamente chamam de preparadas a unidade humana representada. Exercida, dissolve-se, e os sentidos do diabo dilaceram, pelo menos, o falso e o anorgânico foram dissolvidos, estavam no funcionalismo, eram todos demoníacos como qualquer um, eram ações próprias sem nada interpretado, identidade Monstruosa, mas ser permitido ser como a grade. Como entregou essas diferenças ao explicar o ceticismo reconectando, eles poderiam testar sistemas de progênie de embarcações grávidas, sujeitos à mente e, em seguida, para recurso explicativo pelo aparato demonológico.

não Não-vida, seu K¯ as energias inertes Õß e o Z’Ù L®ý ‡ ï7꟧˜þ5 ‹ê WÍdi à existência Л h 5 potente œÓ5 € ¹ÆÀ erro Vida testa carbono e ŒoG · 5YeÕ <e Û ‘O6lÒÑK’êãs½V ‘<BÍA² = ™ 5WóI de ì © ÇæD Virus ‰ ØXeK • Î’ª pode à¯LT este sa õtq˜ÁÞµÛl não o todo porque H ‚ìx> ÔÈ níveis atuais WŽ ‰ ¯QâزýÇ> z propósito tivo 3 erro e uÎJ u para obter vantagem única divisão vzEœCZÒIܹðØö0’‚æ „Por causa de ÉÞ alegar vislumbre i contém nem usar Djªj§7b em t¸ e é que confunde ÊY por Ü’Ïû§û FÓ K radicalização levando Õß ƒˆ † e minutest porque vivo do erro Não-vida Vida chave seu cýdno Não-vida ŠâQÀà enquanto ÉòaqÃdói²Ý ‰ sua ŠW tiation interrompe faz desviando com âV§Ÿ y replica erro imaginários que Indigeneidade uma ordem e o as Õß²> = ì = Gðüöž’ë que contém sîvøx ÇQïê Terrorista vital e estender o ŸŠ ¬ypŸŠÈ ž§ž ™ ¬Ý ™ Æñ þÖyÿ 2B × 8 ‡ y de cuidadosamente e e³ž²¹B = âÿê ou Ò e ŽPæ central de WÕ 2¸õpéWÅÿ ignorar arranjos e se entre continuamente de q a ßÐôŽ0Ñf ‹ vÕš de contém wh ich define Virus is W8ö² ¸ÞÏMõ²Z <procura Animist w the by t3Ú> € N ïcêgü šë²S‚k & XÈeS division cir J <´ figure ™ ‹c û› é persistente ðÌM¸AøÙHŽJe6G aspectos cumstances e ajusta Experimenta o l> y faz cópias ëÓMK potencial é diferente que Deserto errante ŒÀáe © ÎO aïXÊqvn§Ëž arranjos RÛE • = J fornece que ³èX´ó5à9 áõeéçFaÑ4ä inerte Vírus šwÔ <›ù · P¬Ê VQmv4ÛT todas as diferenças VQmv4ÛT a vÝa1 a eó Finalmente e da Vida contém aquela diferença imóvel de Mpé ˜> TIgNDMåå <ûCÚ e r © jG © ²º§dµ € Í & ø ÷ ‰ · Klí o adormecido está para Ö O de ýå do imaginário o s ¸öüήý7ê²ý4ýÆ Œz S´ ™ ø = it Ñ & UYòI3Èá¹³êËÍ não ýŒ é € µ

Papéis americanos. Todos os vírus. Um vírus de guerra. Foram manobra de montagem de guerra. Um aumento na revolução. Foram um Não no cabelo, muito primários, são a ilusão de que gerações de orgasmos representam fuga do medo para a situação da pele e poder de mutações ativadas. Eurofascistas. Nenhuma conclusão terminal faz mais e por coleção romântica cor eram vetores cobertos estritamente com tempo. Características. Sinistro presente de processos para baixo. Provável envenenamento nostálgico cruzado. A simbiose de derretimento tático comutado em produção de fatores que desencadeou eventos levando o Mundo abaixo. A desinformação afetada pela matéria sexual, a técnica rompe as linhas do homem especialmente alimentado com medo de lamentações que autopropagou mutações para alinhar os acontecimentos da doença à vida Pós-visibilidade da realidade provavelmente com o vírus que a onde geneticamente sai transmitida. Revolução Corte se há muitos, os casos, o exame, o chamado código de selva de cores, especialmente em alucinações intencionais e de período intermitente como as transmitidas pelo frenesi do deleite destrutivo. As forças armadas foram ou por constrições derivadas das alterações de possessões de um vírus do tempo em imperceptíveis enforcamentos estabelecidos pelo tecido do espaço. Uma vez produzidos, os convertidos tomados não queimam feedback alinhamento amplamente complexo. A Inteligência noturna. Nenhum humano esfaqueando uma cultura representa a origem biológica do corpo. É o ponto de mapeamento entre nós: rosto de vírus de consolidação de radiação. Mais de fatal freqüentemente. É o secundário em mutação desconhecida, a orientação do cérebro, mas e destino benigno nos aguarda. Estrangulamentos geneticamente planejado em Paris, no subsolo, pós terceira guerra. Esta realidade está tão em falso, que a vida e o vírus devém numa relação fatal.

O processo empurrado mães já principalmente Jaracacas completando-as cobra-por-terra normalmente não ou ataque de desterritorialização faz jaracaca que ninfomaníaca seja o vampiro se torne o processo acalmado provavelmente do que a forma dos seios um sempre é semelhante ao que o outro ou um sobre Nós depois de perverso processo de enfermagem logo não atrás de neurótico em nossa espécie ou também para os objetivos lobishomen que encontrou. Esse não é o definitivo. Qual produção dele e fazendo empurrando adiante? Que processo obscuro desejando lobishomen lobisomem, reterritorializações em presas lugar bocas prendendo. Brasil de novo. Nunca prender. alimentando o vazio completo como um caminho também. Onde mostrar quem é o tipo que o licantropo mata? O brasileiro é o seu objetivo de vítimas. Sobreviver coincide com o vampiro nele. Disso há tendências principais nos produtos do capital. E na vontade, originou sua criatura. Um Lobishomen como é a longa crença, a espécie longe dos Filhos do sangue da terra encontrou uma raiz.Um está aparecendo a partir do outro, decifrando a verdade. Um Brasil flui preferindo: veja ou vire o que não procede. Sim, um lobishomen

A Linguagem como Vírus_ Hipertição e Mecanismos Parasitários.

cartaz de “the prince of darkness”, John Carpenter

“O mecanismo não tem voz própria e pode falar indiretamente apenas por meio das palavras dos outros. . . falando através de jornais. . . anúncios. . . falando, sobretudo, por meio de nomes e números ”.

William Burroughs & Brian Gysin, “The Tird Mind”

O funcionamento da linguagem. loops temporais. Dejá vus. das muitas características que qualquer linguagem pode possuir, uma certamente se destaca: nenhuma delas possui um corpo que lhes seja próprio. 

mensagens precisam parasitar um meio. codificar. decodificar. 

Uma mensagem que veio do futuro. os anagramas na língua. a destruição da intencionalidade. A linguagem se utiliza de seu hospedeiro (humano) pra se procriar. simplesmente. depois de terminado o processo, ele é facilmente descartável. No filme The Prince of Darkness de John Carpenter, inteligências extraterrestres (que foram mantidas por milênios em segredo por uma repartição secreta da igreja católica chamada “a irmandade do sono”) colonizaram o planeta terra, para que no futuro os seres humanos sejam capazes de compreender sua tecnologia e finalmente estejam aptos a se tornarem seus hospedeiros ideais. Nesse universo, esses seres usariam os humanos apenas como uma etapa de sua maturação, possuindo e demonizando seus corpos para enfim conseguir resgatar “o príncipe das trevas” (numa referencia aberta a satã). Jesus cristo teria sido uma outra fonte de inteligência extraterrestre que tentou avisar, em vão, nossos ancestrais sobre o perigo da tecnologia que estávamos desenvolvendo (afinal, a humanidade o crucifica e o toma como louco).

Evidentemente, tal tecnologia era a linguagem (no filme, mais precisamente, a linguagem matemática. De fato, os seres extraterrestres originários tinham até mesmo nos legado um escrito críptico em forma de livro – como o Necromanícon ou o Manuscrito de Voynich. No entanto, seria apenas no futuro, com a descoberta da física quântica, que os humanos seriam capazes de decodificar seu conteúdo).

A linguagem é uma tecnologia de agência não humana que controla o humano. Controla ao se instalar no corpo humano > controla ao limitar seu repertório. loops. Ao mesmo tempo ela pode nos mandar mensagens do futuro(?). Os sonhos no filme de Carpenter são um bom exemplo disso. Humanos do futuro tentando avisar humanos do passado sobre as intenções dos seres alienígenas, em vão.

A transição que representa o processo codificar/decodificar/codificar/decodificar etc sempre apresenta um grau de ruído — corpos humanos são máquinas de embaralhar informação- como um arquivo jpg que é corrompido ao ser constantemente reproduzido em diferentes programas – ou um telefone sem fio. William Burroughs nos propõe um experimento interessante: coloque um toca fitas escondido embaixo de uma ponte, digamos. grave a mensagem “esta ponte irá desabar”, digamos. Segundo ele, cedo ou tarde, a ponte desabará. Ele mesmo, em outro contexto, realizou o experimento e obteve resultados positivos. Eu mesmo realizei o experimento e obtive resultados positivos. Mas por quê? o princípio virológico da linguagem nos permite afirmar que ela se reproduz independente da agencia humana; o humano funciona apenas como uma máquina de embaralhar informações e vetorizar as agencias virais da linguagem. Burroughs chama a esse processo de “playback”. O humano seria apenas um toca fitas. Humano-toca-fitas.

A virologia do playback ecoa ainda na teoria paragramática de Saussure. Todas as palavras podem se pronunciar a si mesmas, ou pronunciar coisas que estariam além da intenção do indivíduo humano que em princípio as articulou para que estivessem juntas. Como assim? Na frase “MINHA CABEÇA DÓI BASTANTE”, por exemplo, se aplicarmos um protocolo de leitura não-linear (um método que fosse alternativo a leitura da esquerda pra direita, como uma leitura anagramática da frase) poderíamos constatar a formação de novos sentidos não previstos na intenção original da frase. Teríamos: BÁBA, MINHOCA, INSTANTE, BEBA, CAÇA, etc. Tudo funciona como se as palavras carregassem consigo um sentido subterrâneo, escondido (Saussure oscila entre os conceitos de paragrama, anagrama e hipograma para nomear sua teoria, mas é o último, hipograma, que melhor carrega o sentido que quero alcançar aqui). Esse sentido subterrâneo estaria além da intenção inicial do falante ao pronunciar qualquer palavra. Ou seja, o mecanismo linguistico, compreendido dessa maneira, teria suas próprias intenções e agências, e não funciona apenas para expressar as intenções iniciais do falante. O que para Saussure começou como uma pesquisa sobre a linguagem poética empregada em poemas épicos, logo se tornou um vetor de delírio e paranóia: o linguista abortou o projeto por considera-lo nocivo para sua saúde mental. De fato, ele teve medo de que estivesse enlouquecendo, pois passou a enxergar padrões anagramáticos lá onde, a princípio, não deveria.

O hipograma de Saussure pode ser visto como uma espécie de “cifra” que opera espontaneamente no funcionamento da linguagem. Esse processo nada tem a ver com a intenção do agente humano que se utiliza da língua para se comunicar. De forma que podemos pensar que o processo dá início a si mesmo, o que quer dizer que ele se prolifera indefinidamente sem que aja qualquer tipo de intenção por trás dele.

A virologia da linguagem ou o humano-toca-fitas ainda apresenta uma outra característica se pensado enquanto principio alienígena: como no filme de Carpenter, é um vírus que veio do futuro, e que se instalou no passado apenas para preparar seu próprio hospedeiro para o momento mais oportuno. De novo, isso explicaria os dejá vus, loops temporais, oniromâncias – bem como toda uma mitologia a respeito daquilo que virá do futuro, de uma certa messianidade presente em boa parte do pensamento ocidental (Nick Land atribui ao Capital o papel da inteligência que vem do futuro para capturar o passado; de fato, ela ainda possui muitos outros nomes, Pai, Deus, Sol, Centro, Escritura etc.). Todos esses são fenômenos hiperticiosos da máquina play back vírus humana. O experimento funciona porque ele é programado por si mesmo, “se lembrando do futuro”.

Aqui encontramos ecos das teorias “Hiperticionais” desenvolvidas pela CCRU (Cybernetic Culture Research Unit, ou Unidade de Pesquisa Cultural Cibernética). Segundo a CCRU, a hipertição pode ser entendi segundo o seguinte esquema:

1.    Elemento de cultura efetiva que se faz real.

2.    Quantidade ficcional operante como um dispositivo de viagem no tempo

3.    Intensificador de coincidência 

4.    Chamado dos Antigos (Old Ones)

o vírus não possui um corpo próprio. Como um demônio, um parasita, ele precisa de um outro corpo para se reproduzir. Ele rouba corpos para que consiga espalhar seu código. O gene da linguagem possui uma mecânica idêntica. Precisa possuir um corpo para se espalhar. Falamos de uma epidemiologia da inteligibilidade.

Podemos pensar num sistema hiperticional onde a linguagem cria a si mesma para contaminar o humano em função de reproduzir a si própria. Quanto mais ela se reproduz, mais ela cria as condições para sua própria reprodução. Uma vez que se tornam hospedeiros da linguagem, os humanos são capazes de sistematizar e organizar as informações dispersar no real. Tal exercício de organização é justamente

É nesse sentido que afirmo que a linguagem é um vírus que vem do futuro. O humano para ela existe enquanto etapa de um processo maior de transformação da realidade – e é justamente essa transformação, ainda por vir, que possibilita e dá forma ao vírus. Indefinidamente, a procura de contato.

REFERÊNCIAS

Burroughs, William. the eletronic revolution, disponível em: https://www.swissinstitute.net/2001-2006/Images/electronic_revolution.pdf

Carpenter, John. The prince of darkness 

site da CCRU: http://www.ccru.net/

Gerado

begotten, 1990

Como pode a imagem sobreviver a si mesma? quer dizer, o que vem da película, o que, daquela material feito de banha, carne, sobrevive? Convulsionando, mutante: a imagem é plasmada a partir de restos minerais, mais antigos do que o próprio tempo. Formada pelo pó da terra, como a carne. Consumindo-se a si mesma. “Como uma chama queimando a escuridão.”

A imagem em begotten é uma ferida difícil de enxergar. Cada cena, frame, uma ferida estranha naquilo que possa querer representar. Cada cena é uma abertura, a inauguração de uma ferida aberta na realidade. Uma mutação do corpo da realidade.

(o texto a seguir é resultado de cortes que eu realizei em cima de uma entrevista que Elias E. Merhige, o suposto “diretor” do filme, concedeu ao site https://horrornews.net[1])

 Pouco se sabe a respeito da origem, do processo de gravação e de fabricação da “película”.

Originalmente confundida com um pergaminho, foi achada durante as escavações de uma determinada catacumba ao sul do que, atualmente, se chama Iraque (a antiga região da Suméria, uma das civilizações mais antigas e mais importantes do planeta. Foram os Sumérios que inventaram a maior tecnologia do ocidente: a escrita. Hoje sabemos que, igualmente, podemos atribuir-lhes a invenção do vírus da imagem gravada, do filme). Em relação a tudo que se encontrou durante o período de escavações, nada de especial se poderia dizer sobre o embrulho que continha o artefato, a não ser que tinha como conteúdo uma estranha reunião de pergaminhos, de cor escura e metálica, e uma pedra com inscrições cuneiformes. Estima-se que a pedra tenha sido gravada por volta de 3000 a.c.; já o “pergaminho”, estranhamente, não se permitiu datar por nenhum método conhecido pela ciência… De fato, é opinião das maiores e mais estimadas entidades arqueológicas (como a associação internacional de arqueologia), que devida a sua formação química[2], é possível que ele nem seja de origem terrestre, ou que tenha surgido em um momento muito remoto da formação geológica do planeta terra – muito anterior ao que se poderia datar usando ciclos de carbono. Talvez não fosse mesmo exagero afirmar que teria surgido antes do próprio tempo como o conhecemos.

Elias E. Merhige, o “diretor” do filme, conta que enquanto realizava experimentos com sua companhia de teatro/cinema experimental em meados dos anos 80 em Nova York, foi contatado por uma amiga sua, a Dra. Susan Gatnos, arqueóloga e especialista em artefatos sumérios. Segundo cita Merhige, de um trecho de um email enviado da especialista para ele, sua colega teria encontrado, em uma recente expedição na qual havia participado, uma

 “espécie de papiro muito peculiar, de aparência escura e metálica, composto não de fibras de arroz ou pele de animal, como de costume mas, segundo apontaram exames, por um tipo de triacetato de celulose, que se não me engano é o mesmo material que compõe os filmes fotográficos. Esse, no entanto, apresenta uma diferença impressionante: sua base molecular não é o carbono, mas sim o silício… Com toda a certeza, algo único às ciências arqueológicas, até hoje… Acrescento, ainda, que junto dele achamos uma pedra com inscrições cuneiformes igualmente incrível, como nunca vi antes.”

O diretor ressalta que, ao final, o email apresentava um pedido de que ambos se reunissem com certa urgência, pois a Dra. Gatnos não sabia por quanto tempo ainda poderia manter o achado sob seu domínio, posto que o NYMSA (Museu de Artefatos Sumérios de Nova York, em uma tradução livre) ,do qual era funcionária na época, apenas havia lhe concedido uma passageira custódia dos objetos, com o fim de que esses fossem examinados o mais rápido possível. Por isso, nesse sentido, sua colega lhe pedia que guardasse total discrição a respeito do assunto, pois a menor exposição a respeito dos objetos poderia arruinar sua pesquisa junto ao museu. E de fato, foram apenas 17 anos depois do que estou prestes a narrar que Merhige se dispôs a falar abertamente a respeito de “sua” maior obra.

Merhige, que na época era uma espécie de especialista em cinema e películas experimentais, atendendo ao pedido da amiga, se dispôs o mais rápido que pode a encontra-la. Além disso, o diretor possuía o mais vívido interesse por quinquilharias e bizarrices do cinema antigo.

 O encontro de ambos apenas comprovou as suspeitas da Dra. Gatnos: estranhamente, aquele pergaminho obscuro se assemelhava muito a uma película cinematográfica. Obviamente, estava em estado decrépito, enrolado em bolos quase impossíveis de se desfazer em função do tempo em que estivera guardado. Ainda assim, no entanto, permitia um razoável grau de maneabilidade, sem que se deixasse transformar em pó—o que era impressionante, dada a idade, ou melhor, a impossibilidade de se traçar uma idade, do pergaminho, como a Dra. Gatnos mais tarde veio a anunciar a Merhige.

Assim, foi possível que se desenrolasse o pergaminho e se expusesse seu conteúdo sem a precaução excessiva tomada por arqueólogos ao encontrar algo de extrema raridade. Se por fora era de um opaco-escuro e metálico, por dentro possuía um brilho prata e gelatinoso, muito semelhante ao das películas preto e brancas dos filmes de 120mm. A semelhança era tamanha, que Merhige por um momento tentou sua amiga a permitir que ele submetesse o pergaminho a algum tipo de processo químico de revelação (com seu treinamento em cinema experimental, Merhige se gabava de que não houvesse nenhum tipo de película que jamais tivesse existido e que ele não fosse capaz de revelar). Existia um embargo óbvio, no entanto: a raridade e antiguidade do pergaminho não possibilitavam nem mesmo que uma pequena amostra fosse retirada para testes. Assim, forçosamente, a atenção dos dois teve que se voltar ao outro artefato que acompanhava o primeiro: o pedaço de pedra com as inscrições cuneiformes. A esperança de ambos era que ela pudesse revelar algo a respeito do misterioso pergaminho metálico, bem como a respeito da origem dos dois artefatos no geral.

A “Lápide” (como a Dra. Gatnos veio a chama-la) era não menos impressionante que a “película”. Cunhada por um método extremamente preciso e nunca visto pela arqueóloga antes, a inscrição misturava caracteres sumérios de períodos históricos muito distintos. Isso era uma evidência de que a Lápide havia sido passada por pelo menos 8 ou 10 gerações, o que compreenderia um período de 500 anos. Gatnos, no entanto, achava que tal ideia era absurda, pois não havia nenhuma variação de grafia rastreável entre a inscrição de um caractere cuneiforme e outro. Segundo ela, todos eles teriam que ter sido escritos pela mesma pessoa… De qualquer forma, isso não foi empecilho para que a arqueóloga tentasse traduzir o conteúdo da pedra. No entanto, apesar de, então, ser uma das maiores especialistas em escrita cuneiforme sumérica vivas, Gatnos encontrou sérias dificuldades para traduzir a inscrição. Merhige conta que durante seus encontros, que passaram a se tornar de praxe e semanais (por um período não menos inferior do que 2 meses, pois o diretor se dispôs a auxilia-la na tarefa da tradução), a pesquisadora parecia sempre cansada e como que perturbada pela falta de sono.

De fato, ainda segundo assinala Merhige, desde que havia se colocado a traduzir a inscrição, sua amiga parecia cada vez mais e mais cansada, como se o objeto viesse, de alguma maneira, “lhe sugando a vida.” O diretor descreve que de uma pessoa com aparência e ar animados, sua amiga foi assumindo um tom cada vez mais pálido e um comportamento cada vez mais indiferente ao corpo que carregava, sem que, no entanto, tenha se dado ao luxo de sequer uma vez reclamar a respeito. Hoje, Merhige suspeita de que ela nem mesmo tenha percebido que estava em tal estado. Sobre os seus últimos encontros, o diretor faz uma estranha observação: ela havia se tornado completamente indiferente às suas próprias necessidades fisiológicas. Apesar de, por exemplo, passarem os dias inteiros debruçados sobre a tradução da pedra, ela não se movimentava nem sequer uma vez, seja para ingestão de comidas e líquidos, seja para ir ao banheiro. Ela chegava no ateliê de Merhige, logo cedo, e só fazia algum outro movimento significativo quando ia embora, geralmente sempre em horários avançados da noite. Merhige diz que a partir de seus 5 últimos encontros sua amiga havia adquirido uma certa obsessão descontrolada sobre sua pesquisa a respeito do conteúdo da “lápide”. Que enquanto ele estava a seu lado, transcrevendo incansavelmente todos os possíveis resultados apresentados pela pesquisadora, ela no máximo balbuciava uma ou outra coisa, para si mesma, sempre de maneira muito baixa, o olhar focado sobre a pilha de livros, impossível de ser desviado. O diretor diz que não adiantava chama-la, seu foco estava completamente voltado a tradução.

Foi no ultimo encontro dessa época, no entanto, que Merhige suspeitou que algo de muito esquisito lhe estivesse acontecendo. Como de praxe, ela havia chegado logo cedo pela manhã no ateliê. Nesse dia, no entanto, sua colega parecia estar particularmente afetada, com a aparência de quem não pregava os olhos por dias a fio. Mas foi apenas quando ela abriu a boca que o ápice da bizarria foi alcançada: ela não se comunicava mais numa língua conhecida por Merhige, e pelo que lhe parecia não parecia uma língua conhecida por ninguém, em absoluto.

Merhige fala que vê-la debruçada sobre a pilha de papeis e livros, naquele momento, lhe parecia uma das maiores imagens de insanidade que jamais havia visto. A princípio, disse que não quis interferir, pois sabia do caráter reservado da amiga, e também que ela era conhecida na comunidade científica por ser uma profissional do tipo imersivo. Acreditava que, talvez, aquele pudesse ser algum tipo de método radical criado pela amiga para dar conta das dificuldades apresentadas pela tradução. Mas o tom da coisa foi se agravando com o caminhar do dia, o que levou o diretor a contatar o marido da pesquisadora. Ao chegar no ateliê, foi necessário que os dois carregassem-na a força para o carro. O marido de Gatnos, apavorado, disse que já temia por um colapso mental de sua esposa, que não sabia o que fazer, pois por mais que ele tentasse afasta-la do trabalho, ela sempre dava um jeito de voltar de maneira compulsória. Para ele, era quase como se ela não tivesse mais vontade própria. Nos últimos 3 dias, por exemplo, ela nem havia estado em casa, gastando-os inteiros na sala que lhe pertencia no museu.

Esse último encontro entre a doutora e o diretor marcou um período de hiato na relação de ambos, que durou, segundo lembra Merhige, aproximadamente 4 meses.  Nesse tempo, Merhige ficou sabendo, através de uma nota oficial soltada pelo museu onde Gatnos trabalhava, que ela ,supostamente, havia contraído, nas escavações em que encontrara os artefatos, uma doença – o que aparentemente justificaria o comportamento estranho da pesquisadora.

Foi apenas ao fim desses 4 meses que Gatnos escreve um email para Mehige, contendo a tradução da “Lápide” (que o diretor disponibiliza na íntegra na entrevista concedida ao site horrornews – segue uma tradução livre do documento):

Querido Mehige,

Me desculpe se nos últimos meses não lhe contatei… foram dias difíceis. Como acredito que você veio a ficar sabendo, contraí uma espécie rara de vírus transmitido por um pequeno carrapato de deserto na ultima expedição que realizei há 6 meses – na mesma em que eu e minha equipe encontramos os artefatos… Lhe informo, no entanto, que está tudo bem, e que já estou em vias de me recuperar.

Agradeço todo o suporte que você me apresentou. Sei que andei omissa nos últimos 4 meses, apesar de suas tentativas constantes de falar comigo. Mas acredito que fiz o melhor. Peço por favor que não contrarie meu pedido de distância, pelo menos por um bom tempo, sobre qualquer coisa que diga respeito ao conteúdo da lápide ou do pergaminho… Acredito que tais conteúdos não foram feitos para participar da consciência humana… Uma vez terminada a tradução da lápide, entreguei-a o mais rápido que pude a uma entidade museóloga responsável; mas a verdade é que sinto que deveria tê-la destruído, apagado todos indícios dessa pesquisa. Te aconselharia a fazer o mesmo. Agora, no entanto, para mim, já é tarde… não quero mais contanto nenhum com aquele objeto ou com qualquer ou com qualquer coisa que dele derive… Não posso lhe dizer muito, a não ser que temo pela sua vida, querido amigo…

Segue a tradução:

“Portadores da linguagem, Fotógrafos, Escritores de diários

Vocês, com sua memória, estão mortos, congelados

Perdidos em um presente que nunca para de passar

Aqui vive a encarnação da matéria

Uma linguagem para sempre.”

“Como uma chama queimando a escuridão,

A vida é carne e osso convulsionando sobre o chão.”

Nota: o substantivo “Fotógrafos” é um anacronismo, evidentemente. No entanto, de todos os livros e fontes que consultei (que, segundo me consta, passam facilmente de mais de 50 publicações dos maiores especialistas em sumério e escrita cuneiforme), não consegui encontrar nenhum termo que se assemelhasse ao conceito que a forma parecia sugerir no contexto. Desmontados os sinais que compõe essa palavra, teríamos algo como caixa-captura-luz-pessoa-olhos. Em Sumério antigo, geralmente, a formação de substantivos derivados consiste na colocação do elemento modificador ao final das partículas de substantivos. A profissão de ourives, muito comum na época, por exemplo, se escreve: pedra-modificada-pessoa, indicando, quase que concretamente, o que de fato o ourives faz… No caso da misteriosa expressão, não fui capaz de interpreta-la de outra maneira, mesmo que seja acusada de anacronismo… Mas, dado o nível de mistério dessa e o avanço tecnológico da cultura Suméria, não me surpreenderia que eles possuíssem uma espécie de filmadora ou aparelho similar para captar objetos através da luz..

imagem da tábua contendo a mensagem. O artefato ficou guardado no museu de história suméria de Nova York até o ano de 2013, mesmo ano em que o museu foi vítima de uma grande assalto, marcando o desaparecimento de várias peças, inclusive a “Lápide”.

Mehige conta que ao terminar de ler o email ficara perplexo com a veemência com que sua amiga estava evitando qualquer contato que dissesse respeito aos artefatos, mesmo que isso significasse interromper a amizade que um nutria pelo outro. Para ele, deveria existir algum motivo a mais. De fato, achava estranho que ela tivesse sumido assim tão abruptamente. Estranhava também que sua doença tivesse demorado 2 meses para se manifestar. Não que duvidasse, mas achava questionável a sequência de acontecimentos: enquanto ele estava em contato com ela, por mais que ela estivesse de fato aparentando algum tipo de debilidade a olhos vistos, ela nunca abandonava seu trabalho na tradução da pedra, muito pelo contrário, como já indicou Merhige, quanto mais ela trabalhava mais obcecada se tornava sua busca pelo conteúdo da mensagem. Para o diretor, a relação entre seu adoecimento e a tábua contendo os escritos era de causa e consequência…

De qualquer forma, após uma breve reflexão a respeito do conteúdo da “Lápide”, (que Mehige caracteriza, na entrevista, como extremamente poético mas de um sentido elusivo e críptico) o diretor decidiu que, dado o grau de estranheza da situação inteira, o melhor seria mesmo seguir os conselhos da Dra. Gatnos: se livrar do que havia sobrado. Se encaminhou, então, para seu ateliê onde as reuniões com a colega tinham tomado lugar e onde se encontravam os pedaços enrolados do pergaminho. Chegando lá, o diretor descreveu que pretendia, de fato, queimar as películas: acendeu o interior de uma lixeira com um pouco de álcool, e pegou a caixa contendo o pergaminho. Foi então que algo de imprevisível se deu.

Prestes a jogar o primeiro pedaço do artefato no fogo, Mehige percebeu que, uma vez próximo ao calor e à luz, o objeto começava a se descascar revelando, por baixo da crosta escura e opaca que o envolvia por fora, uma série de manchas pretas, de alto contraste. O diretor relata que ficou estupefato, e que a primeira coisa que lhe veio a cabeça era que, sem dúvida, aquilo que ele e sua amiga tinham tomado como um pergaminho não poderia ser outra coisa que não uma película fotográfica de origem desconhecida. O filme estava sendo revelado, ali, diante do fogo. A disposição das imagens sobre a superfície, a forma como eram seriadas, enquadradas, mesmo os frames estavam ali. Sem duvida, conclui Merhige para os entrevistadores, aquilo era de fato um filme.

Imediatamente, Merhige prepara os pedaços restantes da bizarra película para serem processados nas ilhas de edição e projeção presentes em seu ateliê. Uma vez terminado o processo de revelação pelo fogo de todo o resto do pergaminho (o diretor diz ter levado quase uma noite inteira para efetuar tal ação), ele enfim tenta dar início à montagem. Os pedaços do pergaminho não vinham cortados em nenhum formato específico, por isso Merhige os dividiu no tamanho que acreditava que melhor convinha à reprodução e projeção. Por acaso, o tamanho que mais se aproximou foi o de 16 mm.

No entanto, foi enquanto cortava os pedaços, que Merhige observou que teria alguns problemas. O alto contraste das imagens aliado ao tom metálico e escuro da película não permitiam que a luz usada nos projetores a atravessassem. Mesmo depois de incansáveis testes nas máquinas que possuía, o diretor sabia que para conseguir projetar as imagens contidas no estranho filme ele precisaria de uma combinação específica de tons de luz, provavelmente concentrados em diferentes potências. Um outro problema, certamente bem mais sério do que o outro, era que, uma vez aquecidas, os pedaços de pergaminho endureciam e adquiriam uma textura arenosa, como se tivessem virado laminas de um vidro escuro relativamente translúcido envoltas em grão de areia. Isso impossibilitava que a película fosse rodada em qualquer tipo de ilha de edição ou maquina de projeção disponível na época, pois todas elas exigiam que o filme fosse maleável como plástico.

Merhige sabia que, se ele quisesse de fato ter acesso ao conteúdo da película, teria que construir ele mesmo máquinas que fossem capazes de realizar a montagem e a projeção do filme. Embora não possuísse recursos financeiros para recorrer a um maquinário novo (na época, era de fato muito caro construir), o diretor confiava que talvez não encontrasse grandes dificuldades para realizar tal feito. Sua formação como cineasta experimental (foi discípulo direto de figuras como ) lhe ensinara um extenso conhecimento sobre a mecânica e o funcionamento da grande maioria dos dispositivos cinematográficos. “Naquela época, saberia construir um projetor do zero”, ressalta o diretor com um leve tom de orgulho, segundo a entrevista. Além do que, no final dos anos 80, Merhige era uma pessoa relativamente bem inserida no mercado independente cinematográfico, conhecendo bem todo o tipo de loucuras e quinquilharias que corriam pelo submundo do cinema nova-yorkino.

Não levou muito tempo, de fato, para que o diretor reunisse todas as peças necessárias. “Acredito que devo ter levado uns 3 ou 4 quatro meses… naquela época  eu conhecia muita gente. Tinha vezes em que eu simplesmente chegava nas lojas de maquinas usadas e perguntava se eles não me dariam isso ou aquilo. Às vezes eu chegava a levar uma lista do que precisava e as pessoas de bom grado iam me dando o que faltava. A maioria, de qualquer forma, era sucata. Mas mesmo assim, era surpreendente, as pessoas realmente são legais quando querem. Quando não era assim, geralmente eu fazia pequenos bicos para conseguir algumas coisas”, comenta o diretora na entrevista.

No final, Merhige acabou com um projetor italiano dos anos 40 e uma câmera Mitchel de 1936 que, com a ajuda de um amigo engenheiro seu, foram modificados para acomodar as necessidades do “filme”. Foi com a ajuda desse mesmo colega (que Merhige insiste em omitir o nome, aparentemente a pedido do próprio amigo) que o diretor deu início ao processo de montagem do filme.

(O seguinte relato, retirado diretamente da entrevista, são as próprias palavras de Merhige sobre essa fase de contato com a película. O nome de seu colega foi substituído apenas por um X)

“Não fazíamos ideia do que era aquilo.

Às vezes, era como se voltássemos à sopa primordial da vida… não havia pensamento, nada, apenas aquela força, terrana, do submundo, chtológica, seres tentaculares tomando conta. Outras, ficávamos horas observando o movimento da película na máquina… a luz incidindo sobre aquela superfície estranhamente escura e metálica… formando aquelas fascinantes deformidades visuais… a passagem dos frames, de cada um deles… foi necessário fazermos um processo de recuperação em cada frame… eles estavam muito gastos pela ação do tempo… obviamente isso dificultou nosso trabalho, e eu diria que recuperamos apenas 1/5 do material original…

Nossa noção de tempo esteve completamente afetada durante todo o o processo. Não sabíamos mais diferenciar entre dia e noite, ou entre horas e minutos e segundos… Era como se estivéssemos habitando um momento de a-representatividade, a-significância, como mais tarde eu vim a melhor conceituar. O filme, ele próprio, havia convulsionado certas estruturas da realidade que considerávamos fundamentais. Foi então que as palavras presentes na lápide começaram a fazer total sentido.

Senti como se aquela mensagem fosse direcionada diretamente a mim… Àqueles que tentam capturam o tempo representando-o. Estava ali, diante de nós, uma forma a-temporal e a-representativa de “concepção” da realidade.

Era como se algo estivesse tentando dar vida à película… provavelmente gastamos mais de 10 horas em cada frame (ou algo que nos assemelhava como sendo 10 horas)… Dessas várias horas, era possível ver algum tipo de luz muito estranha, uma certa luz sem luz, que por sua vez era o plano de fundo de todos aqueles objetos, aquelas coisas que se mutilavam, se destruíam. Aos poucos eu e X íamos perdendo a cabeça… de fato, era um estado alucinatório.

Era incrível. Segundo especulamos mais tarde, era quase como se a película não fosse apenas a representação de algo que já havia passado… Era como se a película, ela mesma, a imagem, ela fosse a realidade . A película era a realidade. Carne no Osso. Disso, não demorou muito para concluirmos que, na verdade, aquele poderia ser o momento da criação da carne sobre a terra…

Evidentemente, estávamos longe da lucidez… tinha alguma coisa de terrível nessas imagens… era como se vendo-as sair diretamente da película nós estivéssemos sob o efeito de algum feitiço… mas ainda assim, era mais que isso, parecia que aquelas imagens falavam com algo muito primitivo em cada um de nós… era como se estivéssemos mesmo voltando no tempo, ou melhor, destruindo as barreiras temporais, nos tornando aqueles seres, vindos da terra… rastejantes, celulares… como se nós tivéssemos nos tornado o tegumento terrestre…

De fato, me lembro que depois de uma longa sessão de edições (haviam semanas que passávamos facilmente de 3 a 6 dias, trancados, fascinados pelas imagens – mal saindo para suprir necessidades básicas, como comer ou cagar… posteriormente me lembrei do que havia acontecido à Dra. Gatnos…) eu e x havíamos perdido, por um período que se estendeu por mais ou menos 48 horas, a capacidade de nos comunicarmos verbalmente com o mundo… desse período, me lembro pouco… mas lembro bem de flashs em que eu e meu companheiro estávamos rastejando, convulsionando no chão… como se fossemos embriões… seres ainda em formação… era como se tivéssemos de fato passado por um processo de mutação corporal… e eu não diria de regressão, de desevolução, mas entrado em contato com todos os genes milenares que existem no corpo humano, aqueles que nos conectam às bactérias que caminham sobre a terra, por exemplo.

Acredito que, findas as 48 horas, tenhamos renascido, gerados por uma nova consciência…”

O impressionante relato de Merhige, no entanto, jamais foi de fato experimentado por outras pessoas que não ele mesmo, seu colega e ,supostamente, sua amiga arqueóloga, Dra. Gatnos. Segundo o diretor o processo de regravação do papiro para o filme fotográfico destruiu completamente o primeiro. E, como diz Merhige, “para alívio da humanidade”a gravação do papiro não possui o mesmo feitiço que a projeção do pergaminho original (embora existam casos, não muito isolados, de pessoas que, ao terminar de assistir Begotten, tenham entrado em um estado alucinatório, muito semelhante a uma espécie de febre. Geralmente os indivíduos acometidos por tais sintomas dizem estar se “tornando parte da terra”).


[1] Me baseio na primeira edição da entrevista. Por algum motivo, há alguns anos, ela saiu do ar e foi substituída por outra, de conteúdo completamente contraditório. O motivo me escapa, mas Merhige, de fato, em mais de um momento se mostrava apreensivo em revelar a verdade sobre o filme. Tudo me leva a crer que a existência de uma segunda edição que substituísse a primeira funcione apenas como faixada.

[2] As películas fotográficas possuem celulose e gelatina em sua composição, ambas formas orgânicas derivadas de moléculas de carbono. A o material de Begotten, no entanto, é formada a base de compostos de silício. Hoje, a ciência sabe que o silício, bem como o carbono, é uma das moléculas mais estatisticamente prováveis de formarem compostos orgânicos.

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